Sabia que a água da garrafa plástica não é melhor do que a da torneira?
Pesquisadores
comentam que a contaminação de mananciais brasileiros por substâncias que
interferem na produção de hormônios em seres humanos; embalagens de plástico
liberam ativos químicos com propriedades similares.
Garrafas d'água
Um estudo recente feito em
mananciais pelo Instituto Nacional de Ciências e Tecnologias
Analíticas Avançadas (INCTAA), da Unicamp, concluiu que a
água no Brasil ainda precisa melhorar muito. A cafeína foi usada como indicador
da presença de contaminantes, pois sua concentração permite determinar quanto
de esgoto foi jogado nos mananciais. Responsável pela pesquisa, concluída em
setembro, Wilson Jardim, doutor em
Ciências Ambientais pela Universidade de Liverpool, na Inglaterra, e professor
do Instituto de Química da Unicamp, acredita que a população tem que
pressionar as concessionárias responsáveis pelo tratamento para obter água de
melhor qualidade. Na entrevista a seguir, ele explica por que a água engarrafada
não é a solução.
É aconselhável
beber água envasada?
Não. Pelo contrário. Os
vendedores de água ‘envasada’ dizem que “a
água da torneira é muito ruim”. Na verdade, o produto deles não é
recomendável. Fizemos estudos com água envasada
e a quantidade
de ftalato que uma pessoa absorve ao bebê-la é muito grande. O ftalato
é uma classe de substâncias químicas agregadas a uma série de produtos
comuns no consumo, como, por exemplo, as embalagens, o filme transparente e as
garrafas descartáveis. Como aumentou muito o uso de embalagens, estamos
mais expostos ao ftalato, que também tem propriedades de interferentes
endócrinos. Ao beber água envasada, talvez você esteja trocando seis por
meia dúzia. A pessoa pode se sentir mais segura ao fazer isso, mas esse
sentimento não tem base científica. Dependendo do tempo em que foi
engarrafada e do tempo de prateleira, essa água libera muito ftalato. Também
pode ter Bisfenol A (BPA), dependendo da resina [do recipiente]. Quando você
faz um estudo de ciclo de vida, de sustentabilidade, analisando conteúdo
energético e produção de CO2, a água da torneira ganha de dez a zero da
envasada, que tem que ser produzida e transportada. É uma indústria que goza de
uma falsa reputação: são produtos altamente impactantes que têm a fama de serem
benéficos. É um mito. Não há grandes vantagens por causa da embalagem, que vai
ficar tóxica com o tempo. Quando compro água envasada, só compro em vidro,
nunca em plástico. Vários estudos no estado de São Paulo, no Aquífero Guarani,
mas também na China ou Espanha comprovam que as águas subterrâneas também têm compostos,
em concentração bem menor do que a das águas superficiais.
As
pessoas podem melhorar a água em casa com algum tratamento?
É uma pergunta recorrente.
Pode-se colocar um filtro, mas isso exige uma manutenção rigorosa e constante,
senão pode se tornar algo pior ainda. A melhor coisa que um indivíduo pode
fazer é pressionar a concessionária da sua cidade para fornecer uma água
melhor. É preciso exercer a cidadania.
O que são
os contaminantes emergentes e interferentes endócrinos?
Os contaminantes emergentes
envolvem mais de mil substâncias novas a cada ano, e os interferentes
endócrinos fazem parte desses compostos. Entre os contaminantes emergentes
estão, por exemplo, nanomateriais,
fragrâncias, antibióticos, agrotóxicos, protetores solares, remédios, drogas
lícitas e ilícitas, hormônios sintéticos, pílulas anticoncepcionais e
produtos de higiene pessoal. É um grupo muito grande de substâncias que, hoje,
por uma série de razões – como pouco saneamento e alta densidade habitacional –
virou motivo de grande preocupação. Nossa exposição a eles aumentou muito.
Sabemos muito pouco sobre a toxicidade desses compostos e sobre o seu mecanismo
de ação no corpo humano e nos organismos aquáticos. O sistema endócrino humano
controla a reprodução sexual e o crescimento. Hoje temos cerca de 800 compostos
que podem perturbar o nosso sistema, embora não tenham sido criados para esse
fim. Acabam atuando desse modo por uma questão bioquímica, de similaridade de
moléculas. Podem alterar a reprodução humana, antecipar a idade da primeira
menstruação das meninas – o que foi observado em vários países – ou provocar
doenças como câncer de tireoide, de testículo, de útero e de mama, de acordo
com a Organização Mundial de Saúde (OMS).
Esses
contaminantes estão ausentes da portaria do Ministério da Saúde que controla a
qualidade da água potável. Isso acontece no mundo todo? Por quê?
Sim, acontece em todos os países.
Aqui, a portaria é extremamente conservadora e existe uma inércia muito grande.
Sabemos que as revisões da portaria são processos demorados. Há um lobby
fortíssimo [contra isso], porque o processo implica custos adicionais. Mas
atualmente todos os países estão repensando essas novas moléculas e, aos
poucos, os novos conhecimentos são incorporados.
A
presença desses contaminantes é maior no Brasil do que em outros países?
O Brasil tem problemas de
primeiro e de terceiro mundo. O brasileiro consome como um país europeu e tem o
saneamento de um país africano. Temos coliformes fecais como no Haiti e
contaminantes emergentes como nos Estados Unidos. Temos pouco saneamento e nossos
mananciais são muitos contaminados comparativamente com outros países. A
cafeína é um excelente traçador de
outros compostos. Sua concentração aqui é de dez a cem vezes maior do que a encontrada em outros países,
e isso se reflete na água de abastecimento. Grande parte desses hormônios
é removida com tratamento convencional. Mas, quando há muita quantidade e o
tratamento elimina 95% disso, 5% ainda é muito? É muito.
A partir
de que nível a água fica contaminada?
A substância que imita o hormônio
funciona em uma quantidade muito baixa. Foi feito um experimento no Canadá em
que uma pesquisadora colocou 2 nanogramas (bilionésimos de grama) de hormônios sintéticos por litro num
lago. Isso devastou uma população de peixes e afetou duas outras espécies.
“Pouco” é muito relativo. O que seria um nível seguro? Não sabemos hoje. É
importante lembrar que a toxicologia não trabalha com mistura, trabalha com uma
substância única. Quando alguém bebe água, não está bebendo um composto, mas
mais de mil compostos. Os ensaios para avaliar o risco não são feitos a partir
de uma mistura, e a vida real é mistura. A toxicologia está um pouco atrasada
nessa questão. Temos que trabalhar com um novo paradigma e adaptar a
metodologia.
Tecnicamente
falando, os tratamentos de água podem remover essas substâncias?
Sim. Além do tratamento
convencional, existem hoje sistemas adicionais. Pode ser um tratamento com
filtragem fina, com a tecnologia de membrana, ou um tratamento
mais destrutivo, à base de raios
ultravioleta ou usando o ozônio. Existem jeitos de reduzir ou eliminar
esses compostos, só que isso implica um custo adicional para a produtora de
água. E nada disso ainda é feito aqui no Brasil.
Fonte
e Sítios Consultados
http://operamundi.uol.com.br
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