Cultura Corporativa das Lojas Renner
Todos no mercado sabem que as Lojas Renner não tem controlador. Porém,
ela tem um “dono”: é José Galló, presidente da empresa há mais de 20 anos. Esse
administrador gaúcho veste-se de cima a baixo com as roupas da Renner, rede
varejista de moda a qual ele preside. Enquanto seus pares se acomodam em ternos
sob medida e dão nós duplos em gravatas italianas, Galló vive dentro dos
limites de estilo impostos por blazers de 199 reais e calças que custam menos
da metade disso.
Conta-se que a recíproca é verdadeira: a
Renner veste de cima a baixo José Galló. Ele está no comando por lá
desde 1991, quando assumiu o que era uma rede de oito lojas à beira da
falência. Nos 23 anos seguintes, Galló liderou uma virada daquelas que rendem
um livro (que, aliás, poderá
ser lançado em 2015, de autoria da jornalista Suzana Naidicht).
Essa pequena rede tornou-se a maior do setor, atualmente
ela fatura 4 bilhões de reais e o seu valor está perto dos 10 bilhões. Aos
poucos, a Renner acabou virando “a
empresa do Galló”. Seus traços pessoais tornaram-se parte da cultura
corporativa. O principal é sua austeridade: além de, eventualmente, se vestir
como se fosse da “nova classe média”, toma vinhos que custam 50 reais e racha a
conta do jantar de fim de ano com a diretoria.
Na Renner, todos os diretores se servem sozinhos de
água e café da garrafa térmica. Galló é um adepto do microgerenciamento.
Reúne-se com fornecedores, planeja coleções novas nas férias, acompanha o
movimento das lojas por câmeras e telefona se vê algo errado. Ele tem, em suma,
todas as características de um apaixonado e onipresente dono do negócio. Mas
existe um porém — Galló não é dono de negócio algum.
A Renner foi fundada em 1965 por descendentes de
alemães, e ela só deixou de ser uma companhia familiar em 1998, quando foi
comprada pela varejista americana JCPenney. Após sete anos sem saber o que
fazer no Brasil, os americanos decidiram vendê-la. Como faltaram interessados
na compra, a JCPenney vendeu suas ações na bolsa, acabando, assim, com a
figura do controlador.
No dias de hoje, a Renner é uma das poucas empresas
brasileiras com capital pulverizado, no modelo de “corporation” típico dos Estados Unidos. São raros os casos de presidentes,
nesse tipo de empresa, que duram mais de cinco anos — a fila anda
constantemente. José Galló não é um executivo normal, mas uma figura única no
capitalismo brasileiro: é, na prática, o dono de uma empresa sem dono.
É uma anormalidade que, sem dúvida, está dando
certo até hoje. Desde que a JCPenney vendeu suas ações, o valor de mercado da
Renner foi multiplicado por 8. A empresa tem atualmente 228 lojas da Renner
mais 55 pontos da Camicado, rede de cama, mesa e banho. Segundo analistas,
Galló viu antes da concorrência o impacto que a ascensão social das classes
C e D iria causar no varejo nacional de vestuário.
Neste ano de
2014, enquanto a economia brasileira se manteve estacionada, só no primeiro
semestre, o lucro da Renner aumentou 42%, para 170 milhões de reais. Hoje, a
empresa vale 30% mais que a própria JCPenney. Com tamanho sucesso, Galló sempre
pôde fazer o que quis com o aval dos principais acionistas: fundos
estrangeiros, como Aberdeen, Blackrock e T. Rowe Price.
Porém, recentemente, a situação começou a incomodar.
Esses fundos, afinal, investem com a perspectiva de manter por muitos anos as
ações da Renner. E alguns representantes começaram a cobrar do conselho de
administração um plano — como será a Renner sem José Galló?
É uma contradição, mas o poder de Galló faz com que
uma empresa de controle pulverizado enfrente dilemas típicos de uma companhia
familiar. Esse clima de tensão começou a aflorar no ano de 2010, quando o
diretor financeiro deixou o cargo ao completar 65 anos. Este diretor estava na
Renner havia mais de 40 anos e era uma espécie de braço direito de Galló.
Segundo acionistas ouvidos por EXAME, a saída
acendeu a luz amarela: ficou claro, ali, que não havia plano de sucessão para a
cúpula da Renner. Como não existiam candidatos internos para o lugar do diretor
financeiro recém-saído, um processo de seleção foi iniciado. O novo diretor
financeiro durou pouco mais de três anos no cargo.
“Eles nos diziam que o substituto estava sendo
formado dentro de casa, mas fomos surpreendidos quando tiveram de buscar o
diretor no mercado”, diz um grande acionista que pediu para não ser identificado.
“O que assusta é que, para o Galló, a história é parecida.”
Onda de consolidação
Atualmente o presidente da Renner está com 63 anos
— e não há um candidato óbvio para sucedê-lo no comando da empresa. No último
mês de abril, o contrato de Galló foi renovado até 2017, quando ele completará
65 anos, mas pode ser prorrogado até 2019.
Há três anos, o conselho de administração decidiu
que 25% de seu bônus anual seriam atrelados à formação de sucessores dentro da
empresa. “A Renner não é mais uma empresa de um homem só. Estou envolvido na
formação de um sucessor”, afirma Galló.
Nos próximos anos — os últimos de Galló à frente da
Renner —, esse jeitão de fazer as coisas passará por um teste. São inegáveis as
pressões para uma onda de consolidação no varejo de roupas brasileiro. As três
maiores redes (Renner, Riachuelo e
C&A) têm, somadas, apenas 5% de participação de mercado.
Nos últimos cinco anos, as maiores empresas donas
de shoppings cresceram exponencialmente, aumentando seu poder de barganha com
os lojistas. “O varejo vai se consolidar para ganhar na escala de compras e em
poder na negociação com os shoppings. Não faz sentido continuar do jeito que
está”, afirma o presidente de uma concorrente da Renner.
Em tese, uma “corporation” teria tudo para liderar
esse processo. Como não tem bloco de controle, empresas de capital pulverizado
têm muito mais facilidade na hora de emitir ações para comprar um concorrente.
Mas, no caso da Renner, o papel de Galló pode inibir movimentos mais ousados.
Como os maiores rivais da Renner têm controlador
definido, uma eventual fusão criaria, necessariamente, um acionista
majoritário: um chefe para Galló, portanto. Acabaria com a empresa “sem
dono”. Galló diz acreditar que o melhor para a Renner é crescer
organicamente — seguir o plano anunciado em 2013, de dobrar o número de lojas
até 2021.
“Mas isso
ainda pode mudar”, diz o presidente de uma grande fornecedora da Renner. “Como a pressão por sucessão está
aumentando, quem sabe ele não encerra seu ciclo anunciando uma grande fusão?” Encerrar o ciclo? Para Galló, isso é assunto para depois.
“A idade-limite para permanecer no conselho de
administração é 75 anos”, diz ele. Se depender dele, portanto, a Renner não
trocará de roupa por mais 12 anos.
Fonte e Sítios Consultados
http://exame.abril.com.br
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