Quanta Irresponsabilidade.
Vamos discutir neste artigo sobre Responsabilidade, a nossa intenção é investigar os vários sentidos que são dados para esta palavra. Primeiramente vamos saber qual o significado da palavra: "Responsável", segundo o dicionário Aurélio, responsável é o que responde pelos próprios atos. Sabemos que as liberdades públicas implicam em responsabilidades, isso quer dizer, ser responsável é ser capaz de responder pelo que se fez, assumindo-o como ato próprio, e essa resposta tem pelo menos dois sentidos importantes. O primeiro, responder “fui eu” quando os outros quiserem saber quem levou a cabo as ações que foram à causa mais direta destes ou daqueles efeitos (ruins, bons, ou ruins e bons ao mesmo tempo); a segunda, ser capaz de apresentar razões quando for indagado por que foram feitas estas ou aquelas ações. “Responder”, nem preciso lhes dizer, tem a ver com falar, entrar em comunicação articulada com os demais. Numa democracia, a verdade das ações com repercussão pública é que nunca será propriedade exclusiva do agente que as leva a cabo, mas se estabelece em debate, mais ou menos polêmico com o resto dos envolvidos. Mesmo que alguém acredite ter boas razões, deve estar disposto a ouvir dos outros sem se fechar exageradamente nas suas convicções, porque o contrário pode levar a alguma tragédia ou à loucura. Dom Quixote, por exemplo, se considerava um cavaleiro andante, mas evidentemente deveria ouvir de vez em quando a opinião dos que o rodeavam e medir o impacto social que tiveram as suas discutíveis “façanhas”. Se não o faz é porque estava louco, isto é, porque se transformou em um irresponsável. Claro, assumir os próprios atos e ser capaz de justificá-los diante dos outros, isso não implica renunciar sempre à sua opinião para dobrar-se à opinião majoritária. A pessoa responsável, ao expor suas razões sem conseguir persuadir os envolvidos, deve estar disposta a aceitar o custo em censuras ou em “marginalização” que seus atos merecem. As palavras de Sócrates, por exemplo, no diálogo platônico Críton, quando se nega a fugir da prisão e prefere enfrentar a sua condenação à morte sem abrir mão de suas idéias, ele transforma esse ato num símbolo clássico de atitude de suprema “maturidade” cívica.
Os irresponsáveis podem ser de muitos tipos. Há os que não aceitam a autoria do que fizeram: “não fui eu, foram às circunstâncias”. Eles, não fizeram nada, mas foram impelidos pelo sistema político e econômico vigente, pela propaganda, pelo exemplo dos outros, por sua educação ou pela falta dela, por sua infância infeliz, por sua infância feliz e mimada demais, pelas ordens dos superiores, pelo costume estabelecido, por uma paixão irresistível, pela casualidade, etc... Também pela ignorância: como não sabia que esses resultados aconteceriam devido a minha ação, não me responsabilizo por eles. Repare que não estamos dizendo que para compreender cabalmente as ações de uma pessoa não se devam levar em conta os seus antecedentes, as circunstâncias, etc. Mas, uma coisa é levá-las em conta, outra é transformá-las em fatalidades que anulam qualquer possibilidade do indivíduo responder pelos seus atos. Naturalmente, essa negação a sermos “sujeito” para nos transformar em mero objeto arrastado pelas circunstâncias só ocorre quando as consequências do fato que nos é imputado são pouco agradáveis; se, em compensação, o responsável por alguma coisa é procurado para receber uma medalha ou um prêmio, logo proclamamos “fui eu” com o maior orgulho. É freqüente que alguém diga não ter sido ele, mas apenas as circunstâncias ou ao acaso, quando o que lhe atribuem um ato heróico ou uma invenção genial, na verdade, não passa de um jogo de cena.
Outra forma de irresponsabilidade é o fanatismo. O fanático se nega a dar qualquer tipo de explicação: prega sua verdade e não têm tolerância a mais nenhum raciocínio, só ao seu. Como ele encarna sem sombra de dúvida o caminho reto, os que o discutem só podem fazê-lo movidos por baixas paixões e sujos interesses, ou ofuscados por algum demônio que não lhes deixa ver a luz. Tampouco o fanático se considera responsável diante de seus concidadãos, mas apenas diante de uma instância superior e, portanto inverificável (Deus, a História, o Povo ou qualquer palavra semelhante, com maiúscula): as considerações e as leis habituais não foram feitas para gente como ele, com uma missão transcendental a cumprir... Menos terrorismo em geral, porém em compensação muito mais ampla, é a irresponsabilidade que poderíamos chamar de burocrática. É característica das instituições administrativas e governamentais em que ninguém nunca se responsabiliza por nada do que se faz ou não se faz: o encarregado é sempre outro, o papel veio da sala de cima, isso tramita em outra repartição, os superiores é que decidiram (mas nunca se sabe que anteriores) ou os subordinados é que entenderam mal (de vez em quando rola a cabeça de algum funcionário de cargo insignificante, mas apenas para impedir que se investiguem as verdadeiras responsabilidades dos que estão acima). O estilo de irresponsabilidade burocrática se caracteriza porque quase nunca ninguém é demitido, aconteça o que acontecer: nem pela corrupção política, nem pela incompetência ministerial, nem por erros de vulto que os cidadãos acabam pagando de seu bolso, nem pela patente incompetência em superar os males que havia prometido resolver. Na verdade, em alguns momentos transitórios, como o momento das eleições, às vezes acontece de “alguém” pagar a conta por um desvio de verba aqui ou outro ato desse tipo por ali, mas quem pode garantir que os realmente responsáveis por estes atos pagaram por suas atitudes. Como o governante se considera irresponsável, ele procura fazer com que a trama das instituições o ajude a gozar de impunidade. Toda denúncia de abusos, por mais fundamentada que seja, apresenta-se como parte de uma maliciosa campanha dos seus adversários políticos; quando à indignação dos cidadãos comuns, expressa através dos meios de comunicação, se aplica o velho principio do “gritem, gritem, pois logo cansarão...” Esse modelo de irresponsabilidade governamental tem seu complemento na irresponsabilidade dos que consideram que eles não têm de responder por nada, porque o governo é que deve resolver tudo. De novo a mentalidade totalitária que faz do Estado e de seus representantes um absoluto absurdo, do qual só há impotência!
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