O neurocientista americano Joshua Greene, de
Harvard em seu livro Tribos Morais – A Tragédia da Moralidade do Senso Comum,
defende um pilar da psicologia evolutiva: o de que nosso cérebro não foi
projetado para encarar a tarefa de viver em grupos complexos. Nossos instintos
não toleram a ideia de conviver com quem pensa de forma distinta – muito menos
oposta.
Fomos programados para sentir prazer quando alguém repete nossas
crenças. Num mundo dividido em bolhas, esse é um belo atalho para o
obscurantismo.
No Brasil de 2018 é possível acompanhar as
pesquisas eleitorais de rejeição que deixam claro, tanto o candidato Jair
Bolsonaro como o candidato Fernando Haddad são odiados. Quem vota em um rejeita
total e absolutamente o outro. Para entender exatamente por que isso acontece é
necessário esquecer por alguns instantes os valores e planos de governo de cada
um e focar num objeto inquestionavelmente mais complexo: o nosso cérebro - ele traz à tona uma resposta incômoda, a de
que somos mais intolerantes do que admitimos.
A evolução nos conduziu para a vida tribal e
entenda-se “tribal” não como algo primitivo, mas como uma família estendida,
afinal, nós fomos programados para conviver em grupos pequenos, com indivíduos
que encaram a vida de uma forma parecida com a nossa – que comungam das mesmas
crenças, hábitos e valores. Ou seja, quem não comungar do mesmo modo é
automaticamente visto como um inimigo, um predador humano, alguém pronto para
roubar sua comida e matar você ao longo do processo.
E assim foi organizada a vida em sociedade coletiva
por centenas de milhares de anos, o nosso cérebro criou mecanismos para
proteger os laços tribais e um deles é o “viés
de confirmação”. Somos recompensados com pequenas doses de dopamina, o neurotransmissor do prazer,
cada vez que ouvimos alguém repetir crenças e valores iguais aos nossos. Isso
indica que o sujeito é um membro em potencial da sua família estendida. Alguém
que irá lhe proteger. Por volta de dez mil anos atrás o mundo começou a ficar
melhor, e menor. A agricultura, o comércio e as primeiras cidades nos obrigaram
a conviver com outras tribos, outras famílias estendidas, que cultivavam
valores distintos.
O comportamento tribal enfraquece a razão na hora do voto: coloca
superstições no centro das nossas escolhas.
Foi a vitória do neocórtex, a parte mais complexa
do cérebro – que nos difere basicamente de qualquer outro animal. Graças a ele
conseguimos manter os instintos na rédea curta e conviver de forma civilizada
(não é à toa que a palavra “civilizada” vem de “cidade”).
Porém, esses dez mil anos não bastaram para
reprogramar a massa cinzenta. Como diz Steven Pinker, colega de Greene em
Harvard, os nossos cérebros jamais saíram para valer das cavernas. O viés de
confirmação segue firme. E os predadores humanos só mudaram de nome. Para quem
votar em Haddad, esses predadores foram batizados como “bolsominions” e
“fascistas”. Para quem votar em Bolsonaro, eles atendem por “petralhas”, e “comunistas”.
Algumas diferenças, de acordo com Greene, são menos
conciliáveis que outras. As “tribos morais” de hoje tendem a discordar com mais
veemência justamente nos temas que atiçam nossos instintos primitivos: sexo e
morte. A sexualidade alheia gera estresse basicamente por lidar com um impulso
primitivo. Logo, o homo fóbico espuma ao falar sobre homossexualidade. E o
defensor dos direitos LGBT´s também irá reagir de forma sanguínea se detectar
algum sinal de homofobia no discurso alheio – mesmo que se trate de um alarme
falso.
O outro tema que aciona o lado selvagem é o combate
ao crime, pois é algo ligado ao conceito
de morte. Daí o tom alto de quem defende a pena capital, o fim das
políticas de direitos humanos para presidiários, o atirar para matar. Cada
expressão dessas é uma torrente dopaminérgica para quem compartilha dessas
crenças e valores. As reações são destemperadas do outro lado também. Às vezes,
basta não seguir certas cartilhas de pensamento para virar alvo. Exemplo: quem
acha que a prisão não serve apenas para recuperar o condenado, mas também para
puni-lo, pode acabar tachado de “assassino”.
Se sexualidade e morte ativam ódios, aborto talvez
seja o mais espinhoso de todos os temas, já que envolve sexo e morte.
Desnecessário elencar aqui os argumentos pró e ‘antiescolha’. O ponto é que se
trata de um debate que, não raro, decai para a barbárie – o neocórtex sabe que
quem é a favor da legalização do aborto não é “matador de crianças”; sabe que o
povo contra não é “nazista”. Mas o sistema límbico, o pedaço primitivo da massa
cinzenta, não sabe de nada. E parte para o ataque sujo contra quem vai contra a
posição da sua bolha, seja ela qual for.
Para deixar as coisas ainda piores, agora temos uma
máquina anticivilizatória. Uma ferramenta criadora de bolhas, que nos faz
voltar aos tempos tribais: as redes sociais. Como o algoritmo do seu Facebook,
interessado em vê-lo dedicar longas horas conectado a ele, apresenta conteúdo
com base naquilo que você se interessou no passado – textos que parou para ler,
vídeos que assistiu, imagens que curtiu –, a tendência é que ele reforce ideias
preconcebidas, concentrando no seu perfil postagens de páginas e amigos que
replicam conteúdo que em geral você concorda.
Ou seja, as redes sociais alimentam um
isolacionismo das tribos morais. Nós não estamos apenas ouvindo cada vez menos
uns aos outros, interessados em alcançar exclusivamente o nosso próprio grupo
social; nós também estamos acirrando os ânimos em relação a quem pensa
diferente, reforçando os nossos preconceitos. E é esse comportamento tribal enfraquece a nossa
capacidade de usar a razão na hora do voto, colocando superstições no centro
das nossas escolhas.
Fonte
e Sítios Consultados
https://super.abril.com.br/sociedade/como-a-ciencia-explica-o-odio-eleitoral/?fbclid=IwAR1IcKWAbop6fwtKCIomDPhoVIQ-MKxACoP0FKQJ4JXftdIy5OUEcYqajN0
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