De acordo com o único
brasileiro participante do comitê de especialistas da OMS (Organização Mundial de Saúde), o virologista Pedro
Vasconcelos, pesquisador do Instituto Evandro Chagas, um dos primeiros laboratórios públicos a identificar a relação da zika com
casos da má-formação. Em recente entrevista à Folha por telefone, durante visita à Universidade do Texas
(EUA), onde acontece à busca por parceria para a vacina
contra esse vírus, ele afirmou: “Não é só o Brasil, mas o mundo está perdendo
a guerra contra o mosquito Aedes aegypti.” E outras doenças transmitidas
pelo mesmo vetor têm sido negligenciadas. "A dengue foi banalizada. Mas é muito mais grave que chikungunya e zika
juntos", afirma.
Abaixo a entrevista do virologista Pedro Vasconcelos - Pesquisador
do Instituto Evandro Chagas
*
Folha - A OMS declarou emergência
mundial em saúde. Você concordou com a decisão?
Pedro Vasconcelos: Plenamente. Defendi essa posição. Ela alerta os países a tomarem
iniciativas e melhorarem o controle vetorial, que é a única coisa que se pode
fazer hoje para evitar a entrada do vírus zika ou diminuir sua incidência. Isso
dá reforço para a obtenção de aporte financeiro. E dá poder para ministérios de
saúde agirem, com o respaldo da maior instituição de saúde do mundo.
O Instituto Evandro Chagas foi um dos
primeiros a comprovar a relação entre zika e microcefalia por meio de um bebê
do Ceará. Já a OMS diz que ainda faltam provas.
Entendo a posição da OMS. O que as
organizações se ressentem é de um maior número de casos com diagnóstico
comprovado de zika. E isso se deve à falta de coleta de amostras durante os
primeiros meses em que ocorreram esses casos. Não houve esse cuidado. O número
atual [de casos confirmados] é muito baixo: menos de 10%.
O que deveria ter sido coletado e não
foi?
Logo ao nascer, tinha que ser coletado
sangue e LCR (líquido cefalorraquidiano). Agora faz-se sorologia, que não é tão
específica como o PCR (que identifica o genoma do vírus). Tivemos, na quinta
(4), mais 12 casos de bebês do Recife que nasceram com microcefalia e, neles,
constatamos anticorpos IgM no LCR, ou seja, dentro do sistema nervoso. É
indicativo de infecção recente pelo agente.
Zika é causa da microcefalia?
Não tenho dúvidas. Mas a outra pergunta
é: todos os casos investigados de microcefalia no Brasil são causados pelo
vírus zika? Provavelmente não, pois há outras causas: toxoplasmose,
citomegalovírus, sífilis. Mas esse aumento intenso foi pelo zika.
No início, autoridades diziam que o
vírus não preocupava. Houve erro de avaliação?
O zika surpreendeu o mundo, não só o
Brasil. Antes da primeira epidemia, em 2007, nas ilhas Yap, na Micronésia,
tínhamos pouquíssimos casos de zika na literatura médica. É um vírus que
causava um quadro febril, quando muito, e vinha acompanhado de um exantema
(manchas vermelhas), mal-estar por dois, três dias e acabou. Não havia preocupação
em estudar muito esse vírus porque não tinha a vinculação de doença severa em
humanos. O apelo que tem o custo social e pessoal para as famílias dessas
crianças sensibilizou autoridades mundiais e resultou nesse alvoroço.
Mas ainda restam muitas dúvidas sobre o
vírus da zika.
Existem muitas perguntas. Não se sabe
como o vírus atravessa a placenta, que célula permeia, qual mecanismo ele usa
para atravessar a barreira hematocefálica (estrutura que protege o sistema
nervoso). Vemos, nos poucos casos que temos de necrópsia, que os neurônios são
destruídos. Atinge as células nobres do sistema nervoso central. E tem causado
mortes em pessoas com doenças autoimunes. São poucos casos, mas tem. Precisamos
de estudos de neuropediatria para quantificar o grau de lesão das crianças. Há
um monte de perguntas para uma gama imensa de especialistas.
Alguma é mais urgente?
Os mecanismos de patogenia (evolução da
doença). E também o porquê de permanecer por mais tempo na urina e no sêmen, e
qual a participação desses outros mecanismos de transmissão na difusão do
vírus. As pessoas estão tomando sangue e não é feito exame para zika, porque
não se dispõe. Mas será que não está havendo transmissão nos bancos de sangue?
Um dos primeiros casos em São Paulo foi de transmissão sanguínea.
O senhor está nos EUA para uma vacina
contra a zika. Em quanto tempo podemos tê-la?
Não gosto de prever, mas acho que
podemos ter em dois anos essa vacina disponível para testes em humanos, uma
previsão bem conservadora.
Quando estaria pronta?
Dependendo das negociações com
Ministério da Saúde e Anvisa, daqui três ou cinco anos, não mais que isso.
A Opas (Organização Pan-Americana da
Saúde) estima que o zika afete 4 milhões de pessoas nas Américas. Há áreas mais
vulneráveis?
Onde há mosquitos transmissores, como o
Aedes aegypti, ou um potencial, como o Aedes albopictus, há risco de
transmissão, com ocorrência de surtos. A Ásia, por ser mais populosa e ter
grande parte das pessoas em áreas tropicais e subtropicais, é um risco grande.
Com a velocidade e a frequência dos voos internacionais, em menos de 24 horas
você se desloca para qualquer ponto do mundo.
Já publicamos estudos que mostram que o tráfego aéreo é o maior responsável pela transmissão de agentes virais e infecciosos. Deve ter sido assim que o vírus chegou ao Brasil. O diagnóstico inicial foi em 2015, mas achamos que chegou um pouco antes.
Já publicamos estudos que mostram que o tráfego aéreo é o maior responsável pela transmissão de agentes virais e infecciosos. Deve ter sido assim que o vírus chegou ao Brasil. O diagnóstico inicial foi em 2015, mas achamos que chegou um pouco antes.
No Brasil há locais com tríplice
epidemia: dengue, zika e chikungunya. Qual foi o erro?
O ministro disse que estávamos perdendo
a guerra contra o mosquito. Eu diria que o mundo está perdendo a guerra. Não é
só no Brasil que isso ocorre simultaneamente. Todos os países hoje sendo
anunciados com zika também têm dengue e chikungunya. Há perda global da espécie
humana para a espécie Aedes aegypti.
É difícil dizer onde houve erro. As
nossas cidades são pouco limpas. O sistema de coleta de lixo não é eficiente. O
de fornecimento de água também não. Há acúmulo de água nas casas e de lixo nas
ruas. Tudo isso num país tropical onde chove muito, o que tende a aumentar os
criadouros do mosquito.
São problemas sérios, mas conhecidos.
Se perguntar para uma criança ou adulto como se previne a dengue, muitos têm na
ponta da língua. Mas a maioria não faz.
O que pode ser feito?
Educação em saúde e controle vetorial.
Diminuir a população de mosquitos para diminuir o número de pessoas doentes, o
que diminui as chances do mosquito se infectar. E aí manter esse ciclo. Mas aí
vem o problema: o controle vetorial é responsabilidade dos municípios.
Basta que um município não efetue um
bom trabalho, e ele bota a perder todo o trabalho daqueles que fizeram o dever
de casa. Só temos hoje o controle do vetor, nada mais.
A presidente Dilma disse que a dengue
seria como uma gripe, mas o vírus da zika não. Podemos estar minimizando os
riscos dessas outras doenças?
A OMS estima a ocorrência de 300
milhões de infecções por dengue por ano, das quais 100 milhões com sintomas.
Aproximadamente 50 mil doentes morrem por ano. A dengue é negligenciada. Parece
banalizada no mundo todo. Mas é mais grave que chikungunya e zika juntos.
Ocorre que o zika, além de ser
novidade, tem a gravidade por fetos serem acometidos de forma severa na
gestação. Está criando uma corte de pessoas com limitações graves do sistema
nervoso central para o resto da vida, além da ocorrência de abortos, natimortos
e mortes de pessoas com doenças autoimunes. Isso tem repercussão intensa. O
futuro de um país, afinal, está nas crianças que estão nascendo. Então é algo grave
e importante.
Qual a relação entre o vírus da zika e
a morte de pessoas com doenças que afetam o sistema imunológico?
Há um caso, na Colômbia, de morte de
pessoa com anemia falciforme. E esse caso do paciente que tinha lúpus no
Maranhão [e morreu ao pegar zika]. E casos de anemia hemolítica, que detectamos
no Pará. O zika é a causa? Provavelmente é. Mas a gravidade do caso está muito
associada com a 'doença de base'.
Há uma preocupação principal entre
especialistas da OMS?
A possibilidade dessa epidemia das
Américas se transformar numa pandemia e passar para outros continentes,
especialmente Ásia e África. Seria bastante assustador ter repercussões da
ocorrência de microcefalia nessas regiões.
Fonte
e Sítios Consultados
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/02/1737883-o-mundo-esta-perdendo-a-guerra-contra-o-mosquito-diz-virologista.shtml?cmpid=facefolha
Nenhum comentário:
Postar um comentário