Dilema moral: E se fosse você? O que você faria?
Começaremos logo pelo livro A
Escolha de Sofia, de William Styron, que virou filme estrelado por Meryl
Streep, uma prisioneira polonesa em Auschwitz recebe um “presente” dos
nazistas: ela pode escolher, entre o filho e a filha, qual será executado e
qual deverá ser poupado. Escolhe salvar o menino, que é mais forte e tem mais
chances na vida, mas nunca mais tem notícias dele. Atormentada com a decisão,
Sofia acaba se matando anos depois.
Os dilemas morais, como a escolha
de Sofia, são situações nas quais nenhuma solução é satisfatória. São
encruzilhadas que desafiam todos que tentam criar regras para decidir o que é
certo e o que é errado, de juristas a filósofos que estudam a moral.
Toda vez que um filósofo monta um
sistema de conduta, procura algo que responda a todas as situações possíveis. O
filósofo inglês John Locke (1632-1704), por exemplo,
definiu o bem pela não agressão, aquela ideia de que “minha liberdade começa
onde termina a sua”. Já Rosseau (1712-1778)
considerava o certo a vontade geral, a decisão da maioria.
Nos tempos atuais os dilemas
morais viraram objeto de estudo de cientistas. E, para alguns deles, talvez os
filósofos tenham trabalhado em vão ao se esforçar tanto para montar teorias
morais. É que, segundo novas pesquisas, raramente usamos a razão para decidir
se devemos tomar uma atitude ou não. Analisando o cérebro de pessoas enquanto
elas pensavam sobre dilemas, os pesquisadores perceberam que muitas vezes
decidimos por facilidade, empatia ou mesmo nojo de alguma atitude. Duvida? A
seguir, faça o teste com você mesmo, respondendo a 5 dilemas morais clássicos.
O trem
descontrolado
Um trem vai atingir 5 pessoas que
trabalham desprevenidas sobre a linha. Mas você tem a chance de evitar a
tragédia acionando uma alavanca que leva o trem para outra linha, onde ele
atingirá apenas uma pessoa. Você mudaria o trajeto, salvando as 5 e matando 1?
( ) Mudaria
( ) Não mudaria
Comenta-se que esse dilema moral
foi apresentado a voluntários pelo filósofo e psicólogo evolutivo Joshua
Greene, da Universidade Harvard. “É aceitável mudar o trem e salvar 5 pessoas
ao custo de uma? A maioria das pessoas diz que sim”, afirma Greene em um de
seus artigos. De fato, numa pesquisa feita pela revista Time, 97% dos leitores
salvariam os 5. Fazer isso significa agir conforme o utilitarismo – a doutrina
criada pelo filósofo inglês John Stuart Mill, no século 19. Para ele, a moral
está na consequência: a atitude mais correta é a que resulta na maior
felicidade para o máximo de pessoas. Mas há um problema. A ética de escolher o
mal menor tem um lado perigoso – basta multiplicá-la por 1 milhão. Você mataria
1 milhão de pessoas para salvar 5 milhões? Uma decisão assim sustentou regimes
totalitários do século 20 que desgraçaram, em nome da maioria, uma minoria tão
inocente quanto o homem sozinho no trilho. Além disso, o ato de matar 1 para
salvar 5 é o oposto do espírito dos direitos humanos, segundo o qual cada vida
tem um valor inestimável em si – e não nos cabe usar valores racionais ao lidar
com esse tema.
O trem
descontrolado (2)
Vamos imaginar a mesma situação
anterior: um trem em disparada irá atingir 5 trabalhadores desprevenidos nos
trilhos. Agora, porém, há uma linha só. O trem pode ser parado por algum objeto
pesado jogado em sua frente. Um homem com uma mochila muito grande está ao lado
da ferrovia. Se você empurrá-lo para a linha, o trem vai parar, salvando as 5
pessoas, mas liquidando uma. Você empurraria o homem da mochila para a linha?
( ) Empurraria
( ) Não empurraria
Pela lógica pura, esse dilema não
tem diferença em relação ao anterior. Continua sendo uma questão de trocar 1
indivíduo por 5. Apesar disso, a maioria das pessoas (75% nos estudos de Joshua
Greene, 60% no teste da Time) não empurraria o homem. A equipe de Greene
descobriu que, enquanto usamos áreas cerebrais relacionadas à “alta cognição”,
isto é, ao pensamento profundo, para resolver o dilema anterior, este aqui
provoca reações emocionais, mesmo nos que empurrariam o homem para os trilhos.
Uma versão mais bizarra desse dilema propõe uma catapulta para jogar o homem
pesado nos trilhos – e, surpresa, a maioria das pessoas volta a querer matar 1
para salvar 5. Conclusão: estamos dispostos a matar com máquinas, mas não
mataríamos com as mãos.
Porém, para Greene, a diferença
nas respostas aos dois dilemas pode ser explicada pela seleção natural. Durante
milhares de anos da nossa evolução, os seres humanos que matavam outros
friamente atraíam a violência para si próprios: eram logo mortos pelo grupo,
gerando menos descendentes. Já aqueles que conseguiam se segurar conquistavam
amigos e proteção, transmitindo seus genes para o futuro. Assim, ao longo dos
milênios, criamos instintos sociais que nos refreiam na hora de matar alguém.
Acontece que, na maior parte do
tempo da nossa evolução, vivemos em cavernas e com lanças na mão, e não
operando máquinas, botões ou alavancas. Isso faz com que nossos instintos
sociais não relacionem o ato de apertar um botão ou puxar uma alavanca com o de
jogar alguém para a morte – é por esse motivo que, para Joshua Greene, tanta
gente mudaria a alavanca na situação anterior, mas não executaria o homem neste
segundo dilema. “Os instintos sociais refletem o ambiente nos quais eles evoluíram,
não o ambiente moderno”, afirma o cientista.
Existe outro exemplo. Achamos um
absurdo não prestar socorro a alguém que sofreu um acidente na estrada, mas é
muito normal que esquecemos rapidinho que milhares de pessoas morrem de fome na
África. Para Greene, o motivo dessa disparidade também está nos instintos.
“Nossos ancestrais não evoluíram num ambiente em que poderiam salvar vidas do
outro lado do mundo. Da forma como nosso cérebro é construído, pessoas próximas
ativam nosso botão emocional, enquanto as distantes desaparecem na mente.”
Mas para Greene, a diferença de
atitudes mostra que os filósofos que lidam com a moral devem levar mais em
conta a natureza do homem – não para agirmos conforme a natureza, mas para
superá-la. Tendo consciência de que nossos instintos nos tornam capazes de
matar friamente por meio de uma alavanca ou de ignorar genocídios distantes,
temos mais poder para decidir o que é ou não correto.
Totem e
Tabu
No seu país, a tortura de
prisioneiros de guerra é proibida. Você é tenente do Exército e recebe um
prisioneiro recém-capturado que grita: “Alguns de vocês morrerão às 21h35”.
Suspeita-se que ele sabe de um ataque terrorista a uma boate. Para saber mais e
salvar civis, você o torturaria?
( ) Torturaria
( ) Não torturaria
Recentemente, Israel e os EUA
foram duramente criticados pela prática de tortura de terroristas árabes em
prisões e pelas tentativas de legalizá-la em forma de “pressão psicológica” ou
“pressão física moderada”. Na defesa, os países usaram dilemas como esse. Se
você achar que o correto é torturar o prisioneiro, vai legitimar carceragens
sangrentas. Por outro lado, caso se recusasse a torturá-lo, poderá deixar que inocentes
viessem a morrer.
Essa situação também se parece
com as anteriores – pela razão pura, trata-se de salvar o maior número de
vidas. Mas por que, então, é tão difícil tomar a decisão de torturar o homem?
Além do instinto básico de não agressão apontado pelo cientista Joshua Greene,
somos movidos por outra emoção primitiva: o nojo. É isso aí, o mesmo nojo que
faz você ter uma ânsia de vômito ao olhar um esgoto. “Acreditamos que a aversão
moral é nojo mesmo, e não apenas uma metáfora”, diz o psicólogo Jonathan Haidt,
da Universidade da Virgínia. Em uma de suas pesquisas, Haidt mostrou vídeos de
neonazistas a seus voluntários, monitorando a atividade cerebral deles.
Concluiu que sentiam nojo, e não uma reprovação racional. É por isso que, em
casos que provocam asco, como a tortura, costumamos agir conforme o absolutismo
moral: as regras não devem ser transgredidas nem para salvar inocentes. Ainda
mais se lembrarmos que os países que querem legalizar o método geralmente se
valem de dilemas como esse para situações mais leves, em que a tortura não vai
resultar em vidas salvas.
Os
limites da Promessa
Eis que um amigo quer lhe contar
um segredo e pede que você prometa não contar a ninguém. Você dá sua palavra.
Ele conta que atropelou um pedestre e, por isso, vai se refugiar na casa de uma
prima. Quando a polícia o procura querendo saber do amigo, o que você faz?
( ) Conta à polícia
( ) Não conta à polícia
O antropólogo holandês Fonz
Trompenaars realizou pesquisas em diversos países com dilemas como esse. O mais
interessante é que as respostas variaram de acordo com o povo. A maioria dos
russos acusaria o amigo na lata. Outros mentiriam para protegê-lo, dando dicas
ambíguas à polícia, como os americanos. Já os brasileiros inventariam histórias
malucas para dizer que a culpa não era do amigo, mas do pedestre, que era um
suicida.
Conta-se que os gregos antigos já
tinham consciência de que cada cultura tem noções diferentes sobre o que é
certo ou errado: diziam que havia tantas morais quanto povos no mundo. A
princípio, saber que a moral muda de acordo com a cultura é importante para não
julgarmos costumes de um povo como se fossem os nossos, descobrindo suas razões
particulares. Foi o que propôs o antropólogo Franz Boas (1858-1942),
considerado o pai do relativismo cultural – a idéia de que nenhuma cultura é
melhor que outra. Mas, quando duas culturas diferentes se chocam, surgem
dilemas morais ainda mais difíceis – como o da página seguinte.
Choque
Cultural
Imaginemos que você seja um
funcionário da ‘Funai’, trabalhando na Amazônia sob ordem expressa de jamais
intervir na cultura indígena. Passeando perto de uma clareira, nota que
ianomâmis estão envenenando o bebê de uma índia, que está aos prantos. Você
impediria a morte do bebê?
( ) Impediria
( ) Não impediria
No começo de abril, a Folha de
São Paulo contou a história do índio Mayutá, de 2 anos, que nasceu de uma
gravidez de gêmeos. Como os índios camaiurás acreditam que gêmeos trazem
maldição, Mayutá deveria ser envenenado.O irmão dele já havia sido assassinado
quando o pai interveio. Com ajuda da Ong Atini, que tenta acabar com o
infanticídio entre os índios brasileiros, o pai retirou a criança da tribo.
Essa Ong foi formada pelos pais
adotivos da ianomâmi Hakani, que viveu um caso parecido em 1995. Depois que
Hakani nasceu com hipotireoidismo, seus pais receberam do conselho da tribo a
ordem de envenená-la. Mas acabaram tomando o veneno eles mesmos. O irmão e o avô
foram encarregados de levar a tarefa adiante e não conseguiram – o avô também
se suicidou. Hakani, abandonada, desnutrida e quase morta, acabou adotada por
um casal de funcionários da Funai. Um antropólogo do ministério público tentou
barrar a adoção, dizendo que era uma agressão à cultura ianomâmi. E aí, o que
vale mais: a vida humana ou o respeito às tradições de um povo? Se você acha
que o certo é deixar a cultura acontecer, é um relativista cultural. Se
considerar o valor da vida maior que o das culturas, é um absolutista moral,
como o ex-papa Bento 16.
Talvez a solução do dilema esteja
na hesitação dos pais. Ela mostra que o infanticídio não é um consenso entre os
índios. Ou seja, o terror emocional diante de matar o próprio filho existe
mesmo em culturas que admitem matar suas crianças. Isso converge com a tese do
psicólogo evolutivo Steven Pinker: assim como qualquer língua do mundo
diferencia entre verbo e objeto, a moral também tem suas regras universais, que
cada cultura trata de forma diferente. Segundo a teoria da “gramática
universal”, de Noam Chomski, temos uma capacidade de nascença para falar, e o
que prova isso são as semelhanças de sintaxe entre todas as línguas do mundo.
Num artigo para o jornal New York Times, Pinker ‘paradiou’ a
tese de Chomski: “Nascemos com uma
gramática moral que nos permite analisar as ações humanas mesmo que com pouca
consciência disso”.
- Mas, como mostram os dilemas morais, nem sempre é
fácil fazer essa análise.
Fonte e Sítios Consultados
Conteúdo da
Disciplina de Ética do Curso Universitário (2009-2013)
de Administração de Empresas
http://super.abril.com.br
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