De acordo com grande parte da
literatura existente, o mineiro se caracterizaria culturalmente por ser
ardiloso, austero, astuto, discreto, descontraído, introvertido, reservado,
desconfiado, modesto, moderado e tolerante. Já o paulista seria irrequieto,
orientado para o trabalho, ligado ao dinheiro e às posses, tenaz, formal e
voltado para ação. Mediante essas diferenças culturais, como se teria dado a
integração de uma companhia siderúrgica mineira e uma paulista, a segunda
adquirida pela primeira no ano de 1993? E se, além disso, a mineira tivesse uma
cultura de pequena cidade do interior e a segunda uma cultura de praia?
Pois foi exatamente esse nosso
campo de estudo: duas companhias siderúrgicas envolvidas num processo de
aquisição em 1993, no qual a adquirente era mineira e a adquirida, paulista. A
primeira havia sido privatizada alguns anos antes e tinha participação
japonesa, e a segunda era até então estatal.
·
Nota: as
empresas em questão são a mineira Usiminas e paulista Cosipa.
As operações de aquisição têm
emergido como respostas estratégicas para as empresas conquistarem ou
fortalecerem posições de mercado. Produzem impactos econômicos e tecnológicos
irreversíveis nos mercados, países e setores em que ocorrem. No entanto, ao
eliminar redundâncias de processos e estruturas, reduzir postos de trabalho e
excluir pessoas, produzem tensões que podem ser entendidas como competição por
território, ou luta pela ocupação de espaços. Esse tipo de disputa é deflagrado
quando os indivíduos “percebem” que os territórios que consideram “seus” estão
sendo invadidos. Vários autores comprovaram que a competição por espaço é
condicionada culturalmente, daí a importância de se terem em mente os traços
culturais que permeiam as disputas.
Apesar disso, a maioria dos
programas de integração ainda negligencia a dimensão humana e cultural do
processo, enfatizando apenas os aspectos técnicos do negócio. Não seria essa a
razão do fracasso de grande parte das fusões e aquisições no que tange às
expectativas de melhoria de desempenho?
Fomos investigar isso no caso dessas
integrações das duas siderúrgicas. Ouvindo mineiros e paulistas, queríamos
confirmar ou não que as diferentes percepções culturais precediam o momento das
interações pessoais e nelas interferiam. Cada um contou a história da
integração segundo o ponto de vista da sua visão de mundo, de sua concepção de
negócio e de seu estilo de vida.
- A
perspectiva dos mineiros
A perspectiva do "mineiro
falando de si mesmo" aparece no depoimento de alto executivo que já ocupou
cargos importantes na adquirente e hoje pertence ao quadro estratégico da
adquirida:
“Eu tava pô... mineiro, né, jacu aqui do meio do
mato, né, agora você vai ser diretor [...] dessa... empresa desse tamanho, que
você não conhece...”.
A metáfora utilizada pelo
entrevistado revela sua modéstia e uma quase incredulidade diante do desafio:
ser diretor de uma empresa de grande porte, desconhecida por ele, situada em
outro estado. Nesse embate emerge o paradoxo que opõe a modéstia do
entrevistado (característica mineira) e a sua competência técnica, razão da
indicação para cargo estratégico tão importante. Na figura “jacu” está às
qualidades de arredio, reservado, que vive em contato com o natural, no
"meio do mato", no ar puro, tranquilo e agora deve aventurar-se no
mundo da cidade grande, na qual tudo é artificial, de concreto, poluído,
inquietante, talvez hostil.
Surge também a questão da
"desconfiança" mineira. Não o suspeitar da honestidade do
"outro", mas colocar as coisas sob dúvida, sob indagação. Suspeitar
da própria capacidade, como o fez o "jacu aqui do meio do mato",
quando foi desafiado a "ser diretor" de "uma empresa desse
tamanho", que ele não conhecia.
O mesmo executivo reconhece que
existe um estilo mineiro de ser e que vai influenciar a forma de trabalhar:
“Eu acho que esse negócio [...],
'o jeito mineiro de fazer as coisas', é um jeito realmente diferenciado. Quer
dizer, nós não somos pessoas que gostam de se expor; nós gostamos de trabalhar
em silêncio. E o mineiro é uma pessoa muito aconchegante”.
O entrevistado identifica nos
mineiros traços culturais que levam a um "jeito mineiro de fazer as
coisas", diferenciado do "jeito de fazer" de outros, no caso, os
paulistas. Como pessoas "que não gostam de se expor", os mineiros
levam para a empresa esse estilo discreto, que se reflete no gosto por
"trabalhar em silêncio", sem alarde, compenetrado no que está
fazendo. O entrevistado também vê o mineiro como pessoa amistosa, a despeito de
ser arredio e reservado. E mais uma vez, essa característica é levada para o
ambiente de trabalho e lá se traduz na forma de recepcionar os colegas da
adquirida, torná-los amigos e recebê-los na própria casa:
“...pessoas que vieram da
[adquirida] pra treinar na [adquirente] ficaram amigos dos caras, conheceram a
casa deles, o que não é coisa de paulista”.
O traço hospitaleiro do mineiro é
definido em oposição aos colegas da adquirida, já que se tornar amigo, receber
na própria casa e tratar bem não seriam “coisa de paulista”. Essa capacidade de
interação também seria o fundamento que possibilita desenvolver o
"espírito de equipe", valorizado e adotado pelos mineiros:
“ ...o espírito de equipe, era
uma característica muito grande que eu sempre trabalhei na [adquirente]. Na
[adquirente], nós sempre trabalhávamos assim; era uma coisa da cultura, de
japonês, de mineiro; uma cultura nossa mesmo. E quando nós chegamos na
[adquirida]... A [adquirida], num determinado momento, virou uma empresa de
metas individuais, o que era exatamente o oposto daquilo com que a gente
trabalhava”.
O jeito de trabalhar do mineiro
se opõe, assim, ao modo paulista de ser irrequieto, expansivo, agitado, voltado
para a ação, mais individualista, preocupado com bens materiais, o que teria
transformado a adquirida numa "empresa de metas individuais", uma
negação do espírito de equipe, justamente "o oposto" do jeito mineiro
de trabalhar em silêncio, sem se expor. A cultura mineira, como produto da
convivência com os japoneses, tem outra característica, a disciplina:
“...minha formação, o que eu sou
hoje, é tudo de cultura [adquirente], que os japoneses trouxeram de disciplina.
Uma coisa que a gente não vê aqui na [adquirida], pelo menos não via quando nós
chegamos em 1993, é exatamente isso, o problema da disciplina”.
Uma disciplina organizacional
rígida, estilo militar, que compromete o grupo com o mesmo modelo de ação. Foi
o que os mineiros estranharam na adquirida em 1993, a ausência de disciplina,
problema grave que, segundo outro técnico da adquirente, afeta a forma de
encarar o trabalho:
“...eu vi e questionei muito é a
falta de comprometimento e responsabilidade do pessoal [da adquirida]; eles não
procuram abraçar o serviço [...], eles não têm preocupação com tempo, quanto
tempo gasta, se tem ferramenta, se o material que tem vai dar ou se não vai
dar; não têm uma programação; não fazem uma programação, certo; não fazem um
planejamento”.
Esse entrevistado questiona a
"filosofia de trabalho" da adquirida, que percebe descomprometida,
irresponsável, displicente, negligente, improvisada. É assim que os mineiros da
adquirente "viam os paulistas" da adquirida. Isso tem implicações
diretas na forma de interação das pessoas destacadas para promoverem a
integração das atividades na pós-aquisição.
A
perspectiva dos paulistas
A perspectiva do "paulista
falando de si mesmo", emerge no depoimento de um técnico da adquirida, que
conta as "agruras" de pertencer à adquirida, ao tempo de estatal:
“ ...como eu já falei, as
condições na [adquirida] obrigavam a muita improvisação; o cara quer produzir,
então improvisa. E o cosipano sempre foi caracterizado por apagar incêndio. Deu
um problema aqui, todo mundo resolve e é imbatível pra resolver em tempo”.
O entrevistado reconhece que o
paulista é voltado para ação imediata, para o improviso, para apagar incêndios,
para a urgência, mas acrescenta outro fator: as péssimas condições da adquirida
que, na falta de recursos, obrigavam a improvisar para viabilizar a produção.
Eram "solucionadores de problemas" e não executores de ações
programadas. E estabelece diferenças em relação aos funcionários da adquirente:
“ O pessoal da [adquirente] vinha
com uma outra cultura. A base deles lá, era uma cultura japonesa, da Nippon
Steel. Então, é o cara seguidor de normas, seguidor de padrão, eles tinham mais
recursos, maiores condições de trabalho, níveis de automação maiores,
equipamentos tecnologicamente mais atualizados [...] o pessoal tinha um nível
cultural, um nível de conhecimento, até eu diria, superior”.
O técnico da adquirida percebe no
pessoal da adquirente, a herança cultural japonesa, do "seguidor de
normas, seguidor de padrão", mas também inclui a realidade do parque
industrial da adquirente, tecnologicamente mais avançado. Da perspectiva do
entrevistado, configura-se a visão simultânea de realidades diferenciadas e
perfis profissionais diferentes, e que, no encontro dessas divergências, devem
interagir para integrar duas empresas, ratificando situações de origem quase
opostas. E, na ótica do mesmo entrevistado, uma das primeiras providências da
pós-aquisição teria sido:
“...implantar o espírito de
equipe, o respeito que as pessoas têm, umas pelas outras; com o espírito de
equipe, as pessoas se protegem, se respeitam”.
O entrevistado testemunha a
profunda mudança de atitude e comportamento introduzida na adquirida que, com a
adoção do "espírito de equipe", de certa forma, renuncia ao
individualismo exagerado e típico dos paulistas, presente na “antiga” empresa
dividida, fragmentada, focada em setores, sem visão sistêmica. Reconhece que
essa nova mentalidade trouxe consequência imediata:
“...isso acabou com esses feudos,
essas panelinhas...”.
Com isso, há mais concentração de esforços no
coletivo, nos objetivos organizacionais, nos resultados da empresa, embora as
muitas coisas ainda por serem feitas, especialmente quanto à forma de
trabalhar:
“ ...o cosipano ainda tem que
aprender muito, quanto à prevenção. O cosipano é excelente quando acontece
algum negócio pra resolver, apagar incêndio e correr. Mas, tem que ser mais
eficaz na prevenção; quer dizer, não deixar acontecerem as coisas, né? Isso aí,
eu vejo que no pessoal da [adquirente]... eles estão mais nessa linha de
prevenção; quer dizer, eles têm menos emergência, menos surpresas do que a
gente tem”.
A despeito das disputas
territoriais por espaços organizacionais, parecer haver uma crescente
conscientização da necessidade de "profissionalizar" a forma de
atuação, incluindo substituir a "filosofia da reação” pela filosofia da
prevenção, da regularidade, da programação, da previsão. Talvez com isso, as
reações territoriais "impensadas" que tanto prejudicaram a interação
de pessoas e a integração de atividades operacionais e administrativas, estejam
dando lugar à racionalidade organizacional. É o que está por trás das palavras
do mesmo técnico:
“... o que faz sentido técnico
ninguém questiona”.
Assim, em vez de adotarem reações
territoriais que boicotam as atividades operacionais, os técnicos das duas
empresas percebem que, para exploração das sinergias esperadas, só há o caminho
da cooperação. E no lugar das armadilhas postas pelos conflitos pessoais, nas
discussões vazias sobre saber quem está ou não com a razão, ou quem é melhor do
que quem, a saída proposta pelo técnico da adquirida é:
”...vamos levar essa discussão
pro nível técnico”.
É no nível técnico da
racionalidade operacional que estão as melhores práticas, úteis para potenciar
as oportunidades de negócio advindas da aquisição, apesar de que:
“...briga por espaço existe”.
Disputas pelos espaços pessoais e
não técnicos que reacendem possíveis competições territoriais nocivas. Assim,
apesar das diferenças de traços culturais, parece haver convergência no sentido
de valorizar aspectos técnicos, que favorecem a racionalidade e a exploração
máxima das potencialidades ensejadas pela junção das empresas. Há, porém,
formas de relacionamento com as empresas que se diferenciam, sem prejuízo das
práticas operacionais. Relações mais atreladas à "filosofia de trabalho"
de cada unidade do que à competência profissional. Segundo pessoa ligada à área
gerencial da adquirida, há um leque de "relações" que vão do
"irracional" ao "profissional":
“...a relação que você tem lá é de fidelidade
ampla, geral e irrestrita e às vezes irracional. A nossa é compromisso
profissional, predomina mais isso. Essa diferença eu não sei nem se é cultural,
mas é um divisor de águas entre [adquirida] e [adquirente]...”.
A
compreensão do impacto cultural
Essas diferenças relatadas
aparentemente decorrem da forma pessoal de ser dos mineiros e dos paulistas.
Aqueles, mais caseiros, interioranos, retraídos, voltados para a
"relação" e comprometidos "pessoalmente" com a empresa.
Estes, mais expansivos, cosmopolitas, espontâneos, voltados para a
"ação" e comprometidos "profissionalmente" com a empresa.
Existem diferenças pessoais
oriundas dos traços culturais, que são carreadas para as empresas e funcionam
como "guias de ação" em qualquer circunstância, mesmo em condições
ambientais de pressão pela "conformidade comportamental", exercida
pelas "culturas organizacionais". É isso que diz um técnico da
adquirente, cujas atividades profissionais ensejaram frequentes oportunidades
de interação com os "seus pares", na adquirida:
“...você tem que respeitar a cultura [senão]...
você estaria prostituindo a cultura da empresa; eu acho aí muito mais difícil
[fazer integração]. Então, eu sou muito favorável a uma sinergia, sim, mas eu
acho que ela tem um limite; você não ganha sempre na sinergia, não. Quando
começou o processo de sinergia, nós achávamos que nós íamos ganhar sempre; em
tudo nós podíamos ter sinergia. Nós demos com os burros n'água, porque tem
muita coisa que a cultura está acima de qualquer ganho, é interessante. Então,
você tem que dar um passo atrás, né? Agora, aquilo em que você tem ganhos de
escala, aí você pode tocar, aí dá resultado”.
A interação é "normal",
a integração de atividades é "possível" e o ganho sinérgico
é"provável", desde que não sejam "agredidos" os valores que
guiam as ações das pessoas, seus princípios de ação, seus modos de verem o
mundo, darem-lhe significado e atuarem sobre ele.
É nesse sentido, que a
"cultura está acima de qualquer ganho”, como disse um dos entrevistados.
Os ganhos parecem mais prováveis quando a integração de atividades é
direcionada para a exploração objetiva dos processos organizacionais e não para
"alteração" comportamental das pessoas.
Por isso, o aspecto regional da
cultura demanda análise mais acurada, no sentido de separar o "jeito de
ser", que vai influir na "interação" entre pessoas, e o
"jeito de fazer", que vai impactar a "integração" de
práticas das empresas. Essa abordagem talvez permita alterar o "jeito de
fazer" (processo organizacional) sem interferir no "jeito de
ser" e no modo de estar e fazer no mundo (visão de mundo, ideias, crenças
e valores, que configuram o que se poderia chamar de "cultura"
pessoal).
Essa "separação" de
pessoas e processos está presente na fala do mesmo técnico da adquirente e
retrata a sua experiência em "interagir" com os seus "colegas"
ou "pares", da adquirida:
“ ...agora, misturando cultura com sinergia, a
coisa nem sempre dá resultado. Misturar cultura e sinergia, nem sempre
funciona”.
Essa passagem deixa clara a
separação entre o pessoal (cultura) e o organizacional (sinergia), no sentido
de resultado da integração de atividades (processos), que o entrevistado chamou
de "ganhos de escala" e que vem a ser o incremento estrutural, o
"algo mais" que emerge da "articulação das partes" e que é,
por sua natureza intrínseca, maior que a simples soma das partes. "Algo
mais" que, simultaneamente, à ocorrência do ganho de produtividade
operacional, gera impactos econômicos (menor custo de produção) e financeiros
(fluxo de caixa). Parece que pessoas e processos fazem parte da mesma dinâmica
de aproximação das empresas, porém, a integração de processos depende da prévia
interação das pessoas.
Ou seja, é quando os fatores
culturais são compatibilizados e transformados em "comportamento
operacional" que a integração de processos e práticas e a exploração das
potencialidades "sinérgicas" torna-se viável.
Os técnicos envolvidos na
execução das rotinas operacionais têm percepção mais centrada na
"objetividade" das tarefas do que na valorização das pessoas. É o que
transparece no depoimento de um técnico da adquirente, que teve grande
participação nas atividades de integração de práticas operacionais:
“Eu acho que técnica não tem cultura”.
O entrevistado desvincula
"processo" (elemento organizacional) de "cultura" (dimensão
pessoal), numa proposta reducionista para a solução dos conflitos que decorrem
da "transferência" de práticas entre empresas, como se fosse possível
separar, pacificamente, o homem do que ele faz e do que ele considera
"seu". Na aparência, técnica e cultura estão imbricadas e parece
impossível separá-las ou estabelecer-lhes uma hierarquia no nível empírico.
Esse é um dos pontos problemáticos de uma aquisição, porque as pessoas
consideram a técnica (prática operacional) e a forma de executá-la (cultura)
como “propriedades” suas e delas não querem abrir mão.
Já para outro alto executivo da
adquirente há estreita relação entre cultura e prática, com o que recoloca em
pauta toda a complexa problemática da “transferência” cultural nas aquisições:
“...a cultura emana daquilo que advém, da visão, em
primeiro lugar, e da missão, em segundo lugar; das posturas adotadas pela
administração e como essas posturas são internalizadas na empresa e colocadas
em prática. Não é a prática que faz a cultura, mas digamos, a prática legitima
a cultura. De repente, você quer implantar uma cultura na empresa, mas não
consegue pô-la em prática; a prática, então, seria a legitimação da cultura”.
No depoimento o executivo atribui
importância “àquilo” que advém da visão e da missão corporativa e das “posturas”
da administração, especialmente, da lógica e da forma como essas “posturas”
(discursos) são colocadas em prática. O executivo valoriza a coerência na
transformação de “palavras” em ações (práticas) nos níveis tático e
operacional. Se a prática é o “lado empírico” dos valores, ela tem o condão de
“legitimar” a cultura e os valores que a sustentam. Se os valores são “guias de
ação”, as práticas são seus “produtos” diretos. Num retorno à origem, a pratica
legitima o valor, que faz parte da cultura, que advém da missão, que é ditada
pela visão empresarial.
Essa perspectiva remete novamente
para o problema da territorialidade e da "inseparabilidade" do homem
e dos seus territórios físicos e simbólicos, já que ambos parecem funcionar
como espelho um do outro. A negação disso e o excesso de importância dada ao "sentido
técnico" ou à supremacia da técnica sobre a cultura pode ser uma tentativa
de simplificar a complexidade humana dos conflitos e suprimir o desgaste
provocado pela discussão aberta dos verdadeiros problemas de territorialidade
que inibem a interação. Em vez de mergulharem no problema para resolvê-lo na
raiz, preferem reduzi-lo a simples questão de prevalência da técnica sobre
outros aspectos, especialmente os humanos. Com esse "arranjo social"
de acomodação oportunística de forças antagônicas, a vertente da raiz
territorial dos problemas permanece intacta, esperando a melhor hora para
voltar a se manifestar.
A análise dos aspectos culturais
da aquisição, na perspectiva da territorialidade, torna- se ainda mais
complexa, quando são incorporadas as particularidades "locais"
determinadas pelo ambiente da localização das empresas. Segundo alto executivo
da adquirente (ex-presidente da adquirida), o ambiente de localização das
usinas teve impacto nas culturas organizacionais e no comportamento organizacional
dos funcionários:
“A [adquirente] teve uma vantagem
também, que era a sua localização. Como nós estávamos em Ipatinga e, Ipatinga é
longe de tudo, você vivia e trabalhava lá. E outra coisa também é o seguinte:
como a [adquirida] é ali em Cubatão, a turma ia pra praia, e, na praia, você
encontra com essa coisa toda. E ali na praia todo mundo conversava sobre o
negócio da [adquirida]. Em Ipatinga a gente não tinha praia, não sabíamos de
nada que acontecia lá, nós não estamos em São Paulo. Então, essa diferença de
localização, de obrigarem a gente a morar em Ipatinga, que é um lugar muito
fechado, favoreceu muito essa cultura da [adquirente]. A [adquirida] não teve
essa sorte, porque ela estava em um outro ambiente cultural. Lá em Ipatinga, o
nosso universo externo era muito pequeno; você não tinha televisão, não tinha
nada. E você ficava 24 horas com a [adquirente]. Na [adquirida], não. O cara ia
embora na sexta-feira e só voltava na segunda-feira; ia pra praia, ia pra São
Paulo. Então, era um lugar mais arejado, mas, ao mesmo tempo, com menos
compromisso [com a empresa]”.
Com isso, aos traços culturais
das regiões Minas e São Paulo que orientam o jeito de ser, estar e fazer no
mundo, próprio das pessoas, somam-se as particularidades dos lugares que,
migrando para dentro das organizações, formam "culturas
organizacionais" com características e lógicas próprias, que sinalizam os
comportamentos internos. A usina da adquirente (no interior de Minas) recebe
maior dedicação dos funcionários pela absoluta e total falta de opções de
trabalho e lazer. Já a usina da adquirida está localizada numa região que, por
características próprias, favorece a "dispersão". Isso permitiu ao
entrevistado classificar os comportamentos de "mais" compromissados na
adquirente e de "menos" compromissados na adquirida, embora o
"lugar mais arejado" seja favorável às pessoas.
Todas essas manifestações das
culturas introduzem problema adicional para a fase de pós-aquisição, já que a
interação de pessoas e a integração de atividades dependem da convergência de
múltiplas perspectivas pessoais, organizacionais e regionais. Assim, em termos
de culturas locais, há quatro perspectivas diferentes:
- mineiros de Belo Horizonte;
- mineiros do interior;
- paulistas da capital;
- paulistas da Baixada Santista.
Acrescente-se a isso as culturas
das unidades, sabendo que, nas duas empresas, o perfil cultural das sedes é
diferente do das respectivas usinas. Sem levar em conta as histórias de vida de
cada um dos representantes das empresas, com sua origem familiar e social, sua
formação, suas experiências, suas ideias, crenças, valores e visão de mundo e,
especialmente, suas expectativas com relação ao futuro produzido pela união das
empresas.
Essa é a complexidade que
caracterizou o processo de aquisição abordado neste estudo e que,
provavelmente, também está na raiz do insucesso tão frequente das fusões e
aquisições empresariais.
Saiba
mais sobre o estudo
Os autores adotaram o estudo de
caso de natureza qualitativa com abordagem descritiva e perspectiva longitudinal.
A população-alvo foi de executivos, gerentes e técnicos afetados pela
integração. Selecionou-se uma amostra intencional de indivíduos, depois uma
amostra do tipo “bola de neve”, com tamanho limitado pela saturação. Dados
primários foram coletados por meio de 97 entrevistas semiestruturadas (49 na
adquirente e 48 na adquirida). Dados secundários foram obtidos de fontes
internas e externas. Dados primários e secundários foram submetidos à análise
de interação territorial, complementada pela análise linguística do discurso,
com foco na territorialidade e nos aspectos culturais.
Fonte
e Sítios Consultados
http://www.hsm.com.br/artigos/o-poder-da-cultura-organizacional
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