Como está a Administração no Brasil?
Reverenciado por um número imenso de
brasileiros, Stephen Kanitz é
um tanto atípico, para o que estamos acostumados a entender como administrador
no Brasil. Mestre em Administração de
Empresas pela Harvard University trouxe da experiência junto àquela que
chama de "esquerda prática" dos Estados Unidos o pensamento que até
hoje procura difundir aqui no hemisfério sul do continente: a Administração
"socialmente responsável", onde o trabalhador tem mais espaço e o
capitalista dono cede poder ao administrador profissional. Em uma conversa
franca e sem formalidades com a equipe da Revista Administradores, Kanitz falou
tudo o que quis. Classificou como conservador o ensino em Administração no
Brasil, revelou seu descontentamento com o ministério escolhido por Dilma e não
poupou palavras contra os economistas, que, segundo ele, foram responsáveis
pelo fim da sua coluna na Revista Veja.
Administradores - Você disse uma vez, em um artigo, que os EUA são um país desenvolvido
porque, diferentemente do Brasil, são geridos por administradores
profissionais. Hoje, já temos inúmeras faculdades de Administração. Por outro
lado, temos a consciência de que, apesar do alto número, muitos cursos deixam a
desejar em qualidade. Será que nossa passagem para a era do administrador está
seguindo o caminho certo?
Stephen
Kanitz - Os EUA começaram essa fase em 1850. Então, nós estamos só 150 anos
atrasados (risos)! Agora, lá e em todos os outros países, surgiu, na época, uma
enorme antipatia dos intelectuais com relação às escolas de Administração. Nas
escolas americanas, os intelectuais eram geralmente de esquerda e os
administradores eram vistos como pessoas de direita. Até porque as primeiras
escolas eram, realmente, para formar gerentes de empresas privadas familiares,
que a gente conhece tão bem no Brasil. Em 1910, entretanto, surgiu nos EUA algo
que não aconteceu em lugar nenhum do mundo. A esquerda mais prática - que é a
de Harvard, onde eu estudei - percebeu que o administrador ia ser uma força
política muito forte, e as empresas familiares iriam ser substituídas pelas de
capital aberto e democrático, onde o administrador seria a peça chave, no lugar
do capitalista dono. Então, Harvard muda esse negativismo, pensando assim:
"vamos pegar esses administradores do nosso lado, e não do lado dos
capitalistas. Vamos criar, então, o curso socialmente responsável". No
Brasil, a animosidade dos intelectuais contra os administradores é visível até
hoje. Você veja, a Universidade de São Paulo expulsou o MBA de lá. E isso é até
assustador, porque 10% do ICMS do estado de São Paulo vai para as universidades
públicas estaduais. Ou seja, nós temos os professores que, apesar de receberem
10% do imposto que é arrecadado pelas empresas, são contra o ensino de
Administração.
No início do ano, fizemos uma enquete
em nosso site onde perguntamos se "administrar é apenas para profissionais
devidamente formados em Administração", e a maioria respondeu que
"não, pois qualquer pessoa pode desenvolver as habilidades e competências
necessárias para administrar, independente da área de formação". Você acha
que isso reflete o descontentamento da classe com a qualidade dos cursos?
Nós não temos administradores (ensinando). Eu estudei lá na USP com
engenheiros de produção, que tinham, claro, visão de engenheiros. É complicado.
Nós não temos, ainda, o Peter Drucker do Brasil. Aliás, não temos uma coluna. O
Drucker, há 60 anos, tinha uma coluna semanal nas grandes revistas. Aqui, eu
tinha uma coluna mensal na Veja, mas acabou. Tem um que escreve para a Carta
Capital e tem o Max Gehringer, mas ele fala sobre recursos humanos, como
arranjar um emprego, essas coisas, não é sobre administração estratégica.
De que modo, então, podemos chegar a
um patamar ideal?
Nós vamos precisar depurar algumas faculdades que estão fazendo
caça-níquel. A própria palavra MBA já foi tomada. Tem escola de Economia
fazendo curso de MBA. Tem faculdade oferecendo MBA em Direito. Aí complica
mesmo, porque a população acha que qualquer um pode ser administrador. Isso o
Conselho Federal de Administração tinha que processar. Você não poder roubar o
nome de Mestrado em Administração de Negócios para usar em outros cursos.
Como deve ser pensada a Administração do
Brasil - tanto a pública quanto a das empresas – de modo que possamos gerir de
forma eficiente esse futuro promissor que tanto se fala em nosso país?
Nós não criamos, ainda, no Brasil, as escolas de Administração
socialmente responsáveis. Isso começou em 1910 na Harvard Business School e, em
1970, quando eu estudei lá, fiquei muito surpreso, porque tinha um sabor de
esquerda que a gente não via no Brasil. As nossas escolas de Administração são
muito de direita. Além do mais, nós não temos nas universidades públicas do
Brasil, pasmem, faculdades de Administração. Normalmente, é um departamento
dentro de uma escola de Economia, Administração e Contabilidade. Enfim, nós
estamos muito atrasados. Inclusive, eu já desisti de achar que nós vamos ter em
breve a era do administrador. Em 2010, eu até torci e lutei para que o Henrique
Meirelles fosse candidato (a presidente) - e ele queria isso, eu sei, até o
ajudei bastante - mas ele não foi. Inclusive, o último artigo que eu escrevi na
Veja foi "O administrador de esquerda", no intuito de fazer a cabeça
da nossa extrema esquerda de que o administrador não é só o de direita, existe
também o de esquerda. Não de extrema esquerda, porque nós conseguimos implantar
as nossas ideias sem sermos revolucionários. A gente vai implantando devagarzinho,
pouco a pouco.
Você se considera, então, um
administrador de esquerda?
É, eu nem sabia disso, mas Harvard me ensinou a ser preocupado com o
trabalhador, o fornecedor, o cliente. Há 15 anos eu criei o primeiro site de
voluntariado do Brasil, o primeiro site de filantropia e o Prêmio Bem Eficente,
para dar visibilidade às entidades que tivessem boas práticas. E aí os
jornalistas perguntavam por que eu estava fazendo aquilo. Eles diziam:
"você é homem". E aí, quando eu perguntava o que tinha a ver, eles
diziam que o social era coisa de mulher, porque no Brasil há esse costume de as
primeiras damas cuidarem desse tipo de ação e os homens se preocuparem com a
taxa de juros, a taxa de câmbio, essas coisas. Eu não me considero de esquerda
no sentido de ser a favor da estatização, por exemplo, algo que, obviamente, é
ineficiente. Eu também sou contra o fato de termos um economista mandando em
dezenas de estatais como a gente vê no Brasil. Eu acredito na descentralização.
Eu sou a favor da empresa socialmente democrática, onde o trabalhador pode
comprar as ações da empresa onde ele trabalha. Aqui é negado isso. Quem
trabalha nos Correios, por exemplo, não pode comprar ações de lá.
Você acha que há características que
são necessárias de modo específico aos administradores brasileiros?
A minha grande bandeira é que você tem de criar um estilo de
administração próprio do país onde você está. Eu vejo a HSM trazendo, ano após
ano, gurus americanos, como se não existissem gurus de administração no Brasil.
Nomes como Peter Drucker, (Gary) Hamel e outros já vieram ao Brasil e ficaram
todos falando um monte de bobagens, sem entender nada do país, e a gente
acreditando. Isso é assustador! Há 15 anos, no meu livro "Brasil que dá
certo", eu deixei bem claro que o futuro seriam os produtos populares,
mercados de baixa renda, coisa para pobre. E todos os livros de administração
diziam que não, tem que fazer inovação, produtos com alta tecnologia. E eu
falei que não. Como você quer inovar, quando 90% dos seus clientes nunca
compraram o seu produto? A Wolkswagen é um exemplo disso. Foram 40 anos com o
fusca, e nunca mudava.
Ø A entrevista com Stephen Kanitz foi publicada na edição nº 1 da revista
Administradores
Qual a diferença que você enxerga
entre o administrador e os profissionais de outras áreas que ocupam cargos de
gestão?
Olha, o administrador tem a função de ser sistêmico. A função primordial
é não permitir que os problemas se acumulem. Nós estamos lá para encher a
paciência de todo mundo e analisar os problemas corretamente. Qual o grande
problema do Brasil? Nós deixamos os nossos problemas se acumularem. Tomar
decisões é outro ponto. Muitas vezes, acha-se que é melhor tomar uma decisão
errada do que demorar para tomar. Só que, se você tomar uma decisão errada,
logo, logo você vai descobrir que errou. Eu fiquei muito triste por nenhum
administrador ter sido escolhido para a equipe de Dilma. O Henrique Meirelles, que
é um exímio administrador, fez uma coisa extraordinária pelo Brasil, que foi
criar reservas. Mesmo assim, a esquerda mais radical vetou a continuação dele,
considerando-o um administrador de direita, ligado a bancos. Lembre-se de que a
esquerda soviética liquidou - matou, mesmo - todo o segundo escalão
administrativo da Rússia. Destruíram os controles gerenciais e criaram a
autogestão dos trabalhadores, como se eles pudessem autogerir-se, algo que é
muito comum ainda entre a esquerda, mas que, na verdade, não é bem assim. Você
tem que ter o administrador que pense sistemicamente, que se preocupe com tudo.
No Brasil, em vez de nos basearmos em Harvard, preferimos o lado
soviético: a gente não gosta do administrador. Nós somos 2 milhões, mas quem
manda nesse país são 30 mil economistas, que são muito influentes, têm colunas
em todos os jornais, escrevem o tempo todo. Inclusive, me derrubaram da Veja,
porque eu falava mal deles e elogiava o administrador de esquerda, que era
Meirelles.
Vocês administradores têm que tomar uma rédea política e perceber que
são importantes. Eu já estou velho. Mas vocês, que ainda são jovens, têm a
missão de mostrar para a esquerda brasileira que nós não somos esse bicho de
sete cabeças e seremos um excelente aliado.
Você acredita que os problemas
brasileiros decorrem da forma como nós vemos o administrador e o empreendedor
por aqui?
Nós temos uma tradição muito pequena de administradores. Em 94 tínhamos
300 escolas de Administração, mas nós não temos poder político, não temos o
reconhecimento que deveríamos ter. A sociedade está dando um tiro no pé ao
valorizar mais o economista do que o administrador. Outra coisa é que aqui
estamos muito acostumados a dizer que precisamos incentivar os empreendedores.
Mas nós precisamos entender que o empresário e o empreendedor estão preocupados
em realizar seus próprios sonhos. Nós administradores temos a missão de
realizar o sonho dos outros. Tá lá o Eike Batista, porque ele brilhante e tal,
porque realiza todos os sonhos dele. E os sonhos da sociedade?
Fonte e sítios consultados
http://www.administradores.com.br/informe-se/entrevistas/negocios-economia/administracao-no-brasil-como-estamos/38/
Nenhum comentário:
Postar um comentário